CAPÍTULO I
DA SAGRADA ESCRITURA
I. – Ainda que a luz da natureza e as obras da criação e da providência
manifestem a bondade, a sabedoria e o poder de Deus, de tal modo que os homens
ficam indesculpáveis, contudo elas não são suficientes para dar aquele
conhecimento de Deus e de sua vontade que é necessário à salvação; portanto
aprouve ao Senhor, em vários momentos e de diversas maneiras, revelar-se, e
declarar sua vontade a sua Igreja. E depois, para melhor preservar e propagar a
verdade, e para o mais seguro estabelecimento e conforto da Igreja contra a
corrupção da carne e a malícia de Satanás e do mundo, aprouve-lhe entregar a
mesma para que fosse plenamente escrita. Isso torna a Sagrada Escritura
totalmente indispensável, tendo agora cessado aquelas antigas formas de Deus
revelar sua vontade a seu povo.
II. – Sob o nome de Sagrada Escritura, ou a Palavra de Deus escrita, incluem-se
agora todos os livros do Velho e Novo Testamentos, os quais são: –
Velho Testamento
Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio, Josué, Juízes, Rute, 1 Samuel,
2 Samuel, 1 Reis, 2 Reis, 1 Crônicas, 2 Crônicas, Esdras, Neemias, Ester, Jó,
Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Cântico dos Cânticos, Isaías, Jeremias,
Lamentações, Ezequiel, Daniel, Oséias, Joel, Amós, Obadias, Jonas, Miquéias,
Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias, Malaquias.
Novo Testamento
Mateus, Marcos, Lucas, João, Os Atos dos Apóstolos, A Epístola de Paulo aos
Romanos, 1 Coríntios, 2 Coríntios, Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses, 1
Tessalonicenses, 2 Tessalonicenses, 1 Timóteo, 2 Timóteo, Tito, Filemom, A
Epístola aos Hebreus, A Epístola de Tiago, A Primeira e a Segunda Epístola de
Pedro, A Primeira, Segunda e Terceira Epístola de João, A Epístola de Judas, e
O Apocalipse.
Todos estes foram dados pela inspiração de Deus para serem a regra de fé e
vida.
III. – Os livros comumente chamados de Apócrifos, não sendo de inspiração
divina, não fazem parte do cânon da Escritura; e, portanto, não são de nenhuma
autoridade na Igreja de Deus, nem de modo algum podem ser aprovados ou
utilizados senão como meros escritos humanos.
IV. – A autoridade da Sagrada Escritura, pela qual ela deve ser crida e
obedecida, não depende do testemunho de qualquer homem ou igreja, mas única e
totalmente de Deus (que é a própria verdade), que é seu Autor; e, portanto,
deve ser recebida, porque é a Palavra de Deus.
V. – Pelo testemunho da Igreja podemos ser movidos e induzidos a um elevado e
reverente apreço pela Sagrada Escritura; e a sublimidade do conteúdo, a
eficácia da doutrina, a majestade do estilo, a harmonia de todas as partes, a
abrangência de seu todo (que é de dar a Deus toda a glória), a plena exposição
que faz do único meio de salvação para o homem, as muitas outras excelências
incomparáveis, e sua perfeição total, são argumentos pelos quais abundantemente
se evidencia ser ela a Palavra de Deus. Não obstante, nossa plena persuasão e
certeza de sua infalível verdade e divina autoridade provém da obra interna do
Espírito Santo, que, pela Palavra e com a Palavra, testifica em nossos
corações.
VI. – Todo o conselho de Deus, concernente a todas as coisas indispensáveis à
sua glória, à salvação, fé e vida do ser humano, ou está expressamente
registrado na Escritura, ou pode ser lógica e claramente deduzido dela; à qual
nada, e em tempo algum, deve ser acrescentado, seja por novas revelações do
Espírito, ou por tradições de homens. Não obstante, reconhecemos ser
indispensável a iluminação interior do Espírito de Deus para o discernimento
salvífico daquelas coisas que são reveladas na Palavra; e que há certas questões
concernentes ao culto divino e ao governo da Igreja, comuns às ações e
sociedades humanas, que têm de ser ordenadas de acordo com a luz da natureza e
da prudência cristã, segundo as regras gerais da Palavra, as quais sempre devem
ser observadas.
VII. – Nem todas as coisas são, em si mesmas, igualmente claras nas Escrituras,
nem igualmente evidentes a todos; não obstante, aquelas coisas que precisam ser
conhecidas, cridas e observadas para a salvação são tão claramente expostas e
visíveis, em um ou outro lugar da Escritura, que não só os doutos, mas também
os não instruídos, mediante o devido uso dos meios ordinários, podem alcançar
uma compreensão suficiente delas.
VIII. – O Velho Testamento em hebraico (que era a língua nativa do povo de Deus
dos tempos antigos), e o Novo Testamento em grego (que era a língua mais
geralmente conhecida entre as nações no tempo em que o Novo Testamento foi
escrito), sendo diretamente inspirados por Deus, e por seu singular cuidado e
providência conservados puros ao longo de todos os séculos, são, portanto,
autênticos; sendo assim, em todas as controvérsias religiosas, a Igreja deve
apelar para elas como recurso final. Visto, porém, que essas línguas originais
não são conhecidas a todo o povo de Deus, o qual tem direito e interesse nas
Escrituras, e que deve, no temor de Deus, lê-las e pesquisá-las, esses livros,
portanto, têm de ser traduzidos para a língua comum de cada nação onde chegam,
a fim de que, a Palavra de Deus habitando abundantemente em todos, adorem a
Deus de uma maneira aceitável, e pela paciência e pela consolação das
Escrituras tenham esperança.
IX. – A regra infalível de interpretação da Escritura é a própria Escritura; e,
portanto, quando houver alguma questão acerca do genuíno e pleno sentido de
qualquer texto da Escritura (sentido que não é múltiplo, mas único), a mesma
deve ser estudada e elucidada por outros textos que falem mais claramente.
X. – O Juiz Supremo, pelo qual todas as controvérsias religiosas devem ser
determinadas, e todos os decretos de concílios, opiniões de escritores antigos,
doutrinas de homens e espíritos particulares devem ser examinados, e em cuja
sentença devemos descansar, não pode ser outro senão a Escritura Sagrada
entregue pelo Espírito Santo; nesta Escritura assim entregue a nossa fé
finalmente se resolve.
CAPÍTULO II
DE DEUS E DA SANTÍSSIMA TRINDADE
I. – Há somente um Deus, vivo e verdadeiro, o qual é infinito em seu ser e
perfeição, um espírito puríssimo, invisível, sem corpo, partes ou paixões,
imutável, imenso, eterno, incompreensível, onipotente, sapientíssimo,
santíssimo, totalmente livre, totalmente absoluto, operando todas as coisas
segundo o conselho de sua própria imutável e justíssima vontade, para sua
própria glória; amantíssimo, gracioso, misericordioso, longânimo, riquíssimo em
bondade e verdade, perdoando a iniqüidade, a transgressão e o pecado;
galardoador daqueles que o buscam diligentemente; e no entanto justíssimo e mui
terrível em seus juízos, pois odeia todo pecado, e de modo algum inocenta o
culpado.
II. – Deus possui, em si mesmo e de si mesmo, toda a vida, glória, bondade e
bem-aventurança; e é o único todo-suficiente em si e para si, não tendo
necessidade alguma das criaturas que ele mesmo criou, não derivando delas
glória alguma, mas apenas manifestando sua própria glória nelas, por meio
delas, para elas e sobre elas. Ele é a única fonte de toda a existência, de
quem, por meio de quem e para quem são todas as coisas; e sobre elas exerce ele
pleno e soberano domínio, para fazer por meio delas, para elas e sobre elas
tudo quanto lhe apraz. Todas as coisas estão patentes e manifestas diante dele;
seu conhecimento é infinito, infalível e independente da criatura, de modo que,
para ele, nada é contingente ou incerto. Ele é santíssimo em todos os seus
conselhos, em todas as suas obras e em todos os seus mandamentos. A ele devem
os anjos e os homens, bem como toda e qualquer criatura, todo culto, serviço ou
obediência que, como criaturas, devem ao Criador, bem como todo o mais que lhe
aprouve requerer deles.
III. – Na unidade da Deidade há três pessoas, de uma só substância, poder e
eternidade: Deus o Pai, Deus o Filho e Deus o Espírito Santo. O Pai não é de
ninguém, sendo nem gerado ou procedente; o Filho é eternamente gerado do Pai; o
Espírito Santo é eternamente procedente do Pai e do Filho. Esta doutrina da
Trindade é o fundamento de toda nossa comunhão com Deus, e de todo nosso
conforto na dependência dele.
CAPÍTULO III
DO DECRETO ETERNO DE DEUS
I. – Desde toda a eternidade, e pelo sapientíssimo e santíssimo conselho de sua
própria vontade, Deus ordenou livre e imutavelmente tudo quanto acontece;
porém, de modo tal que nem é Deus o autor do pecado, nem se faz violência à
vontade das criaturas, nem é tirada a liberdade ou contingência das causas
secundárias, ao contrário estas são estabelecidas.
II. – Embora Deus saiba tudo quanto pode ou há de suceder em todas as
circunstâncias imagináveis, contudo ele não decretou coisa alguma por havê-la
previsto como futura, nem como algo que haveria de acontecer em tais circunstâncias.
III. – Pelo decreto de Deus e para a manifestação de sua glória, alguns homens
e anjos são predestinados para a vida eterna e outros são preordenados para a
morte eterna.
IV. – Esses anjos e homens, assim predestinados e preordenados, são específica
e imutavelmente designados, e seu número é tão certo e definido, que não pode
ser nem aumentado e nem diminuído.
V. – Aqueles dentre a humanidade que são predestinados para a vida, Deus, antes
que fossem lançados os fundamentos do mundo, segundo seu eterno e imutável
propósito, e o secreto conselho e beneplácito de sua vontade, escolheu em
Cristo para a glória eterna, simplesmente por sua livre graça e amor, sem
qualquer previsão de fé ou de boas obras, ou de perseverança em qualquer um
deles, ou de qualquer outra coisa na criatura, como condições ou causas que a
isso o movessem; e tudo para o louvor de sua gloriosa graça.
VI. – Visto que Deus designou os eleitos para a glória, assim ele, pelo eterno
e mui livre propósito de sua vontade, preordenou todos os meios para se
alcançar esse propósito. Por conseguinte, aqueles que são eleitos, achando-se
caídos em Adão, são redimidos por Cristo; são eficazmente chamados à fé em
Cristo mediante seu Espírito que opera no devido tempo; são justificados,
adotados, santificados e guardados por seu poder mediante a fé para a salvação.
Nenhum outro é redimido por Cristo, ou eficazmente chamado, justificado,
adotado, santificado e salvo, senão unicamente os eleitos.
VII. – Aprouve a Deus, segundo o insondável conselho de sua própria vontade,
pela qual estende ou retrai sua misericórdia, como lhe apraz, para a glória de
seu soberano poder sobre Suas criaturas, não contemplar o restante e ordená-lo
para a desonra e ira por causa de seu pecado, para o louvor de sua gloriosa
justiça.
VIII. – A doutrina deste profundo mistério de predestinação deve ser tratada
com especial prudência e cuidado, a fim de que os homens, atentando para a
vontade de Deus revelada em sua Palavra, e rendendo-lhe obediência, possam,
proveniente da certeza de sua vocação eficaz, se assegurar de sua eterna
eleição. E assim, a todos quantos sinceramente obedecem ao Evangelho, esta
doutrina fornecerá motivo de louvor, reverência e admiração a Deus, bem como de
humildade, diligência e abundante consolação.
CAPÍTULO IV
DA CRIAÇÃO
I. – Aprouve a Deus o Pai, Filho e Espírito Santo, para a manifestação da
glória de seu eterno poder, sabedoria e bondade, no princípio, criar, ou fazer
do nada, o mundo e todas as coisas existentes nele, quer visíveis, quer invisíveis,
no espaço de seis dias, e tudo muito bom.
II. – Depois de haver Deus criado todas as outras criaturas, ele criou o homem,
macho e fêmea, com almas racionais e imortais, dotados de conhecimento, justiça
e genuína santidade, segundo sua própria imagem, tendo a lei de Deus escrita em
seus corações, e o poder de cumpri-la; e contudo sujeitos à possibilidade de
transgredi-la, sendo deixados à liberdade de sua própria vontade, a qual era
sujeita a mudança. Além dessa lei escrita em seus corações, receberam um
mandamento para que não comessem da árvore do conhecimento do bem e do mal; o
qual, enquanto observassem, seriam felizes em sua comunhão com Deus e teriam
domínio sobre as criaturas.
CAPÍTULO V
DA PROVIDÊNCIA
I. – Deus, o grande Criador de todas as coisas, sustenta, dirige, dispõe e
governa todas as criaturas, todas as suas ações e todas as coisas, das maiores
até às menores, por meio de sua sapientíssima e santa providência, segundo sua
infalível presciência e o livre e imutável conselho de sua própria vontade,
para o louvor da glória de sua sabedoria, poder, justiça, bondade e
misericórdia.
II. – Ainda que, em relação à presciência e decreto de Deus, que é a causa
primária, todas as coisas aconteçam imutável e infalivelmente, todavia, pela
mesma providência, ele ordena que elas sucedam segundo a natureza das causas
secundárias, ou necessária, ou livre ou contingentemente.
III. – Deus, em sua providência ordinária, faz uso de meios, todavia ele é
livre para operar sem eles, acima deles e contra eles, como lhe apraz.
IV. – O onipotente poder, a imutável sabedoria e a infinita bondade de Deus, de
tal maneira se manifestam em sua providência, que seu conselho determinado se
estende até mesmo à primeira queda e a todos os demais pecados dos anjos e dos
homens (e isso não por uma mera permissão) que ele também limita de maneira
sapientíssima e poderosa, bem como regula e governa, numa múltipla dispensação
para os seus próprios e santos propósitos; mas de tal modo que a pecaminosidade
dessas transgressões procede tão-somente da criatura, e não de Deus, e que
sendo ele santíssimo e justíssimo, nem é e nem pode ser o autor ou o aprovador
do pecado.
V. – O sapientíssimo, justíssimo e graciosíssimo Deus com freqüência deixa, por
algum tempo, seus próprios filhos à mercê de multiformes tentações e da
corrupção de seus próprios corações, com o fim de castigá-los pelos seus
pecados anteriores, ou levá-los a descobrirem a força oculta da corrupção e
fraudulência de seus corações, a fim de serem humilhados, e a fim de elevá-los
a uma dependência mais íntima e a uma confiança mais constante no apoio dele, e
fazê-los mais vigilantes contra toda e qualquer ocasião futura de pecar, e para
vários outros fins justos e santos.
VI. – Quanto àqueles homens perversos e ímpios a quem Deus, como justo Juiz,
cega e endurece em razão dos pecados anteriores, deles ele não só retem sua
graça pela qual poderiam ter sido iluminados em seus entendimentos e
transformados em seus corações; mas às vezes também ele subtrai os dons que
eles possuíam, e os deixa expostos a tais coisas que se lhes tornam em ocasião
de pecado pela sua própria corrupção; outrossim, os entrega às suas próprias
concupiscências e às tentações do mundo e ao poder de Satanás; e assim sucede
que eles se endurecem, até pelos mesmos meios que Deus usa para o amolecimento
de outros.
VII. – Visto que a providência de Deus, em geral, se estende a todas as
criaturas, assim, de uma maneira muito especial, ela cuida de sua Igreja e tudo
dispõe para o bem dela.
CAPÍTULO VI
DA QUEDA DO HOMEM, DO PECADO E DE SUA PUNIÇÃO
I. – Havendo Deus feito um pacto de obras e de vida com os nossos primeiros
pais e, neles, com toda sua posteridade, eles, sendo seduzidos pela astúcia e
tentação de Satanás, deliberadamente transgrediram a lei de sua criação, e
quebraram o pacto ao comerem do fruto proibido.
II. – Por este pecado eles, e nós neles, caíram de sua justiça original e de
sua comunhão com Deus, e assim se tornaram mortos em pecado, e totalmente
corrompidos em todas as faculdades e partes da alma e do corpo.
III. – Sendo eles a raiz, e pela ordenança de Deus representantes de toda a
humanidade, a culpa deste pecado foi imputada, e a natureza corrompida
comunicada a toda a sua posteridade, que deles descende por geração ordinária.
IV. – Desta corrupção original, pela qual nos tornamos totalmente indispostos,
incapazes e antagônicos a todo bem, e totalmente inclinados a todo mal,
procedem todas as transgressões atuais.
V. – Durante esta vida esta corrupção de natureza permanece naqueles que são
regenerados; e ainda que, através de Cristo, ela seja perdoada e mortificada,
contudo tanto ela quanto todos os seus impulsos são real e propriamente pecado.
VI. – Todo pecado, tanto original quanto atual, sendo uma transgressão da justa
lei de Deus, e a ela contrário, traz, em sua própria natureza, culpa sobre o
pecador, e por essa culpa ele está sujeito à ira de Deus e à maldição da lei, e
assim feito sujeito à morte, com todas as infelicidades espirituais, temporais
e eternas.
CAPÍTULO VII
DO PACTO DE DEUS COM O HOMEM
I. – A distância entre Deus e a criatura é tão grande que, embora criaturas
racionais lhe devam obediência como seu Criador, contudo nunca poderiam ter
alcançado o galardão da vida, senão por alguma condescendência voluntária por
parte de Deus, a qual agradou ele expressar por meio de pacto.
II. – O primeiro pacto feito com o homem foi um pacto de obras, no qual a vida
foi prometida a Adão e, nele, à sua posteridade, sob a condição de obediência
perfeita e pessoal.
III. – Havendo-se o homem tornado, por sua queda, incapaz de ter vida por meio
daquele pacto, ao Senhor aprouve fazer um segundo [pacto], comumente chamado
Pacto da Graça; por meio do qual ele gratuitamente oferece aos pecadores vida e
salvação mediante Jesus Cristo, requerendo deles fé nele, para que possam ser
salvos; e prometendo dar o Espírito Santo a todos quantos são ordenados para a
vida, a fim de dispô-los e habilitá-los a crer.
IV. – Este pacto da graça é freqüentemente apresentado na Escritura pelo nome
de um Testamento, em referência à morte de Jesus Cristo, o testador, e à
herança eterna, com todas as coisas a ela pertencentes, legadas neste pacto.
V. – Embora este pacto com suas ordenanças e instituições, tenha sido
administrado de maneira diferente e variada no tempo da lei, e desde a vinda de
Cristo em carne, mesmo assim, no que diz respeito à substância e à eficácia do
mesmo, e a todos seus fins espirituais e salvíficos, é um e o mesmo pacto; por
causa das diversas dispensações do mesmo, chama-se Velho e Novo Testamento.
CAPÍTULO VIII
DE CRISTO O MEDIADOR
I. – Aprouve a Deus, em seu eterno propósito, e conforme um pacto feito entre
eles dois, escolher e ordenar o Senhor Jesus, seu unigênito Filho, para ser o
Mediador entre Deus e o homem; o Profeta, Sacerdote e Rei; o Cabeça e Salvador
de sua Igreja; o Herdeiro de todas as coisas e Juiz do mundo; a quem Ele, desde
toda a eternidade, deu um povo para ser sua descendência, e para ser por meio
dele, e no tempo, redimido, chamado, justificado, santificado e glorificado.
II. – O Filho de Deus, a segunda Pessoa da Trindade, sendo vero e eterno Deus,
de uma só substância com o Pai e igual a ele, chegada a plenitude do tempo,
assumiu a natureza humana, com todas as propriedades essenciais e fraquezas
comuns a ela, contudo sem pecado; sendo concebido pelo poder do Espírito Santo,
no ventre da Virgem Maria, e da substância dela: de modo que duas naturezas
inteiras, perfeitas e distintas, a Deidade e a humanidade, foram
inseparavelmente unidas em uma só pessoa, sem conversão, composição ou
confusão; Pessoa esta verdadeiro Deus e verdadeiro homem, contudo um só Cristo,
o único Mediador entre Deus e o homem.
III. – O Senhor Jesus, em sua natureza humana assim unida à divina na Pessoa do
Filho, foi santificado e ungido com o Espírito Santo sem medida, possuindo em
si mesmo todos os tesouros de sabedoria e conhecimento, e em quem aprouve ao
Pai habitasse toda a plenitude; a fim de que, sendo santo, inculpável,
imaculado e cheio de graça e verdade, fosse perfeitamente habilitado para
exercer o ofício de Mediador e Fiador. Esse ofício ele não tomou para si, mas
para ele foi chamado por seu Pai, o qual pôs em suas mãos todo o poder e juízo
e lhe deu ordem para que os exercesse.
IV. – Esse ofício o Senhor Jesus exerceu mui voluntariamente; e, para que
pudesse dele desincumbir-se, ele se fez sujeito à lei, e a cumpriu
perfeitamente e suportou o castigo devido a nós, aquilo que nós deveríamos ter
suportado e sofrido, sendo feito ele pecado e maldição em nosso lugar; ele
suportou diretamente em sua alma os mais severos tormentos da parte de Deus, e
em seu corpo os mais dolorosos sofrimentos; foi crucificado e morto; foi
sepultado e permaneceu sob o poder da morte, contudo não viu corrupção. Ao
terceiro dia ressuscitou dos mortos, com o mesmo corpo no qual sofreu; com o
qual também subiu para o céu e assentou-se à destra de seu Pai para fazer
intercessão; e voltará no fim do mundo para julgar homens e anjos.
V. – O Senhor Jesus, por sua perfeita obediência e pelo sacrifício de si mesmo,
sacrifício este que, pelo Espírito eterno, ele ofereceu uma vez a Deus, tem
satisfeito plenamente a justiça de Deus, e adquiriu não só reconciliação, mas
também uma herança eterna no reino do céu para todos aqueles que o Pai tem dado
a ele.
VI. – Ainda que a obra da redenção não fosse de fato operada por Cristo até
após sua encarnação, contudo a virtude, a eficácia e os benefícios dela foram
comunicados aos eleitos em todas as épocas, sucessivamente, desde o princípio
do mundo, em e através daquelas promessas, tipos e sacrifícios, por meio dos
quais ele foi revelado e tipificado como a Semente da mulher que esmagaria a
cabeça da serpente, e como o Cordeiro morto desde a fundação do mundo, sendo
ele o mesmo ontem e hoje e para sempre.
VII. – Cristo, na obra de mediação, age em consonância com as duas naturezas,
fazendo através de cada natureza o que lhe é próprio; contudo, por razão da
unidade da Pessoa, aquilo que é próprio de uma natureza é, às vezes, nas
Escrituras, atribuído à Pessoa denominada pela outra natureza.
VIII. – A todos aqueles para quem Cristo comprou a redenção, ele, infalível e
eficazmente, aplica e comunica a mesma; fazendo intercessão por eles; e
revelando-lhes, na Palavra e pela Palavra, os mistérios da salvação;
persuadindo-os eficazmente, por meio de seu Espírito, a crer e obedecer; e
governando seus corações por meio de sua Palavra e seu Espírito; subjugando a
todos os seus inimigos pelo exercício de seu infinito poder e sabedoria, da
maneira e pelos meios mais consoantes com sua maravilhosa e insondável dispensação.
CAPÍTULO IX
DO LIVRE-ARBÍTRIO
I. – Deus dotou a vontade do homem com aquela liberdade natural e poder para
agir conforme suas escolhas, que ela nem é forçada, nem determinada por
qualquer necessidade absoluta de sua natureza, ou para o bem ou para o mal.
II. – O homem, em seu estado de inocência, tinha a liberdade e o poder de
querer e fazer aquilo que era bom e agradável a Deus, porém com possibilidade
de mudar de estado, e de maneira tal que pudesse cair desse estado.
III. – O homem, com sua queda num estado de pecado, perdeu toda a capacidade de
vontade quanto a desejar qualquer bem espiritual que acompanhe a salvação; de
tal maneira que o homem natural, sendo totalmente desinclinado no tocante
àquele bem, e morto em pecado, não é capaz, por sua própria força, de se
converter nem de se preparar para isso.
IV. – Quando Deus converte um pecador e o traslada para o estado de graça, ele
o liberta de sua natural escravidão ao pecado e, pela exclusiva
instrumentalidade de sua graça, o capacita a querer livremente e a fazer aquilo
que é espiritualmente bom; mas isso de tal modo que ele, em razão da corrupção
que nele permanece, não faz e nem deseja perfeitamente somente o que é bom,
senão que também deseja aquilo que é mal.
V. – É somente no estado de glória que a vontade do homem é perfeita e
imutavelmente livre para fazer o bem.
CAPÍTULO X
DA VOCAÇÃO EFICAZ
I. – Todos aqueles a quem Deus predestinou para a vida, e somente esses,
aprouve ele, no tempo por ele determinado e aceito, chamar eficazmente, por sua
Palavra e por seu Espírito, daquele estado de pecado e de morte em que estão
por natureza, à graça e à salvação por meio de Jesus Cristo; iluminando suas
mentes espiritual e salvificamente para entenderem as coisas de Deus;
tirando-lhes o coração de pedra e dando-lhes um coração de carne; renovando sua
vontade e, por seu infinito poder, determinando-os ao que é bom, e eficazmente
atraindo-os a Jesus Cristo; mas de tal forma que eles vêm mui livremente, sendo
para isso dispostos por sua graça.
II. – Este chamamento eficaz provém unicamente da livre e especial graça de
Deus e não de coisa alguma prevista no homem, que, quanto a este chamamento, é
totalmente passivo, até que, sendo vivificado e renovado pelo Espírito Santo,
seja desse modo capacitado a responder a este chamamento e a abraçar a graça
oferecida e comunicada nela.
III. – Crianças eleitas que morrem na infância, são regeneradas e salvas por
Cristo, o qual opera quando, onde e como lhe apraz. Assim também se dá com
todas as demais pessoas eleitas que são incapazes de ser exteriormente chamadas
pelo ministério da Palavra.
IV. – Os demais, que não são eleitos, ainda que sejam chamados pelo ministério
da Palavra, e recebam algumas operações comuns do Espírito, contudo, não sendo
eficazmente chamados pelo Pai, nem vão a Cristo e nem podem ir a ele, e,
portanto, não podem ser salvos; muito menos poderão ser salvos por qualquer
outro meio aqueles que não professam a religião cristã, por mais diligentes que
sejam em moldar suas vidas em consonância com a luz da natureza, e com a lei
daquela religião que professam; asseverar e manter que o podem, é muito
pernicioso e algo a ser abominado.
CAPÍTULO XI
DA JUSTIFICAÇÃO
I. – Aqueles a quem Deus eficazmente chama, ele também justifica livremente;
não por infundir neles a justiça, mas por perdoar seus pecados, e por
considerar e aceitar suas pessoas como justas; não em razão de qualquer coisa
neles operada ou neles feita, mas unicamente por causa de Cristo; não por
imputar-lhes a própria fé, o ato de crer, ou qualquer outra obediência
evangélica, como se estes pudessem justificar; mas por imputar-lhes a
obediência ativa de Cristo a toda a Lei, bem como sua obediência passiva na
ocasião de sua morte em prol da justiça total e única deles, que recebem a ele e
a sua justiça e descansam neles pela fé; fé esta que não possuem em si mesmos,
pois que é o dom de Deus.
II. – A fé que desta maneira recebe e repousa em Cristo e em sua justiça, é o
único instrumento de justificação; ela, contudo, não está sozinha na pessoa
justificada, mas é sempre acompanhada de todas as demais graças salvíficas; não
é uma fé morta, mas uma fé que atua pelo amor.
III. – Cristo, através de sua obediência e morte, quitou plenamente a dívida de
todos aqueles que são justificados, e através do sacrífico de si mesmo, pelo
sangue de sua cruz, sofrendo em seu lugar a penalidade devido a eles, prestou
uma correta, real e plena satisfação à justiça de seu Pai, em favor deles.
Todavia, porquanto ele foi entregue pelo Pai em prol deles, e sua obediência e
satisfação foram aceitas em lugar deles, e ambas gratuitamente, não por causa
de algo neles; sua justificação é tão-somente da livre graça; para que tanto a
exata justiça quanto a rica graça de Deus fossem glorificadas na justificação
de pecadores.
IV. – Deus, desde toda a eternidade, decretou justificar todos os eleitos; e
Cristo, na plenitude do tempo, morreu pelos pecados deles e ressuscitou pela
sua justificação. Não obstante, não são justificados pessoalmente até que o
Espírito Santo, no devido tempo, de fato aplique Cristo a eles.
V. – Deus continua a perdoar os pecados daqueles que são justificados; e ainda
que não poderão jamais cair do estado de justificação, poderão, contudo, em
decorrência de seus pecados, cair no desprazer paternal de Deus: e naquela
condição normalmente não gozarão de novo da luz de seu rosto, até que se
humilhem, confessem seus pecados, supliquem o perdão e renovem sua fé e seu
arrependimento.
VI. – A justificação dos crentes sob o Velho Testamento era, em todos esses aspectos,
uma e a mesma justificação com a dos crentes sob o Novo Testamento.
CAPÍTULO XII
DA ADOÇÃO
1. Todos quantos são justificados, Deus, em e para seu único Filho Jesus
Cristo, se digna fazer participantes da graça da adoção; por meio da qual são
eles recebidos no número e desfrutam das liberdades e privilégios dos filhos de
Deus; têm sobre si o nome dele, recebem o Espírito de adoção; têm acesso, com
ousadia, ao trono da graça; são capacitados a clamar: Aba, Pai; são tratados
com piedade, protegidos, sustentados e corrigidos por ele como por um pai;
contudo, jamais abandonados, mas selados para o dia da redenção, e herdam as
promessas, como herdeiros da eterna salvação.
CAPÍTULO XIII
DA SANTIFICAÇÃO
I. – Aqueles que são unidos a Cristo, eficazmente chamados e regenerados, e
possuindo um novo coração e um novo espírito criados neles em virtude da morte
e ressurreição de Cristo, são, além disso, santificados genuína e pessoalmente,
pela mesma virtude, por sua Palavra e seu Espírito neles habitando; o domínio
de todo o corpo do pecado é destruído e suas diversas concupiscências mais e
mais enfraquecidas e mortificadas; e eles mesmos são mais e mais vivificados e
fortalecidos em todas as graças salvíficas para a prática da genuína santidade,
sem a qual ninguém verá ao Senhor.
II. – Esta santificação permeia o homem todo, contudo ela é imperfeita nesta
vida; permanecem ainda alguns resíduos de corrupção em cada parte; daí
suscita-se uma guerra contínua e irreconciliável, a carne militando contra o
Espírito e o Espírito contra a carne.
III. – Nessa guerra, ainda que a corrupção restante prevaleça, e muito, por
algum tempo, contudo, através do suprimento contínuo de forças por parte do
Espírito santificador de Cristo, a parte regenerada vence; e assim os santos crescem
na graça, aperfeiçoando santidade no temor de Deus.
CAPÍTULO XIV
DA FÉ SALVÍFICA
I. – A graça da fé, por meio da qual os eleitos são capacitados a crer para a
salvação de suas almas, é a obra do Espírito de Cristo em seus corações, e é
ordinariamente operada pelo ministério da Palavra; também por meio da qual, e
pela administração dos selos [sacramentos – nota do tradutor] e através da
oração, e de outros meios, ela se desenvolve e se fortalece.
II. – Por esta fé o cristão crê ser verdadeiro tudo quanto está revelado na
Palavra, pois a autoridade do próprio Deus fala em sua Palavra; e age de
conformidade com o que cada trecho específico da mesma contém, obedecendo aos
mandamentos, tremendo ante suas ameaças, e abraçando as promessas de Deus para
esta vida e a vida por vir. Os principais atos da fé salvífica, porém, são:
aceitar, receber e descansar unicamente em Cristo para a justificação, a
santificação e a vida eterna, em virtude do pacto da graça.
III. – Esta fé, embora de diferentes graus, podendo ser fraca ou forte, é,
(como é também toda e qualquer graça salvífica) por menor que seja, de uma
qualidade ou natureza diferente da fé e graça comum de crentes temporários; por
isso, embora, muitas vezes, seja ela assaltada e enfraquecida de diversas maneiras,
ela logra vitória, desenvolvendo-se em muitos até atingir uma plena segurança
através de Cristo, que é tanto o autor quanto o consumador de nossa fé.
CAPÍTULO XV
DO ARREPENDIMENTO PARA A VIDA
I. – Aqueles eleitos que se convertem com uma certa idade, tendo vivido um bom
tempo no estado de sua natureza pecaminosa, e tendo servido a ela por meio de
diversas concupiscências e prazeres, a estes Deus, ao chamá-los eficazmente, dá
o arrependimento para a vida.
II. – Embora não haja ninguém que faça o bem e que não peque, e embora os
melhores dos homens possam, devido ao poder e ao engano das corrupções que
neles habitam e à tentação que prevalece, cair em grandes pecados e
provocações, Deus por meio do pacto da graça, tem providenciado de maneira
misericordiosa que crentes que assim pecam e caem sejam renovados através do
arrependimento para a salvação.
III. – Este arrependimento salvífico é uma graça evangélica, por meio da qual
uma pessoa, sendo sensibilizada pelo Espírito Santo dos múltiplos males do seu pecado,
pela fé em Cristo se humilha com tristeza segundo Deus, abominando seu pecado,
e se abominando, orando pedindo perdão e o fortalecimento da graça, com a
finalidade de andar perante Deus de maneira a agradá-lo em tudo, para tal se
esforçando no suprimento do Espírito.
IV. – Visto que o arrependimento deve ser constante durante todo o curso de
nossas vidas, por causa do corpo da morte e as atuações do mesmo, é o dever de
cada um se arrepender particularmente daqueles pecados específicos que ele
mesmo reconhece.
V. – Tal é a provisão que Deus, por meio de Cristo no pacto da graça, tem feito
para preservar os crentes para a salvação, que, embora não haja pecado tão
pequeno que não mereça condenação, também não há pecado tão grande que traga
condenação àqueles que se arrependam verdadeiramente; o que torna necessária a
pregação constante do arrependimento.
CAPÍTULO XVI
DAS BOAS OBRAS
I. – Boas obras são só somente aquelas que Deus ordenou em sua santa Palavra, e
não aquelas que, sem a autorização dela, são inventadas por homens movidos por
um zelo cego ou por alguma pretensão de boas intenções.
II. – Essas boas obras, feitas em obediência aos mandamentos de Deus, são os
frutos e evidências de uma fé viva e verdadeira; por elas os crentes manifestam
sua gratidão, fortalecem sua certeza, edificam seus irmãos, adornam a profissão
do evangelho, fecham a boca dos adversários e glorificam a Deus, de quem são
feitura, criados em Cristo Jesus para isso mesmo, a fim de que, tendo seu fruto
para a santidade, tenham no final a vida eterna.
III. – A capacidade de realizar boas obras de modo algum emana dos crentes, mas
inteiramente do Espírito de Cristo. E para que possam ser efetivamente
capacitados para isso, além das graças que já receberam, é indispensável que
haja uma real influência do Espírito Santo a operar neles tanto o querer quanto
o realizar, segundo a sua boa vontade; contudo, não devem, por isso, tornar-se
negligentes como se não tivessem a obrigação de realizar qualquer dever senão
pelo impulso especial do Espírito; ao contrário, devem ser diligentes em
reavivar a graça de Deus que está neles.
IV. – Os que, mediante sua obediência, alcançam a maior perfeição possível
nesta vida estão tão longe de exceder e de fazer mais do que Deus requer, que
de fato deixam de cumprir muito daquilo que deveriam cumprir.
V. – Nós não podemos, por meio de nossas melhores obras, merecer da mão de Deus
o perdão de pecado, ou a vida eterna, em razão da imensa desproporção que há
entre elas e a glória por vir; e a infinita distância que há entre nós e Deus,
a quem por nossas obras não podemos ser úteis, nem quitar a dívida de nossos
pecados anteriores; mas quando tivermos feito tudo quanto pudermos, outra coisa
não fizemos senão nosso dever, e somos servos inúteis; e porque, sendo boas as
obras, elas provêm do Espírito; e, como são realizadas por nós, elas são
manchadas e misturadas com tantas fraquezas e imperfeições, que elas não podem
suportar a severidade do juízo divino.
VI. – Não obstante, sendo a pessoa do crente aceita através de Cristo, suas
boas obras são também aceitas nele; não como se fossem, nesta vida,
perfeitamente inculpáveis e irrepreensíveis à vista de Deus; mas porque ele,
contemplando-as em seu Filho, se agrada de aceitar e recompensar aquilo que é
feito com sinceridade, ainda que seja acompanhado de muitas fraquezas e
imperfeições.
VII. – As obras realizadas pelos não-regenerados, ainda que sejam, quanto à
matéria, coisas que Deus ordena e de bom proveito tanto a eles mesmos quanto a
outros, contudo, porque não procedem de um coração purificado pela fé, e não
são praticadas de uma maneira correta, segundo a Palavra, e nem têm a
finalidade correta, qual seja a glória de Deus; são, portanto, pecaminosas, e
não podem agradar a Deus, tampouco tornar um homem apto para receber graça de
Deus. Mesmo assim, negligenciá-las é ainda mais pecaminoso e ofensivo a Deus.
CAPÍTULO XVII
DA PERSEVERANÇA DOS SANTOS
I. – Aqueles a quem Deus aceitou em seu Amado, eficazmente chamou e santificou
por seu Espírito, não podem, nem totalmente nem finalmente, decair do estado de
graça; mas com toda a certeza perseverarão nele até ao fim e serão eternamente
salvos.
II. – Esta perseverança dos santos depende, não de seu próprio livre-arbítrio,
mas da imutabilidade do decreto da eleição, do gracioso e imutável amor de Deus
o Pai; da eficácia do mérito e da intercessão de Jesus Cristo, e união com ele;
do juramento de Deus; da habitação do seu Espírito; da semente divina em seu
interior; e da natureza do pacto da graça; de tudo isso procedem também a
certeza e infalibilidade desta perseverança.
III. – Não obstante ser possível, por causa da tentação de Satanás e do mundo,
do predomínio da corrupção que neles continua, e da negligência dos meios de
sua preservação, eles caírem em pecados graves; e por algum tempo continuarem
neles, incorrendo, assim, no desprazer de Deus e entristecendo seu Espírito
Santo; e chegarem a ser privados de suas graças e confortos; e terem seus
corações empedernidos e suas consciências feridas; e ferirem e escandalizarem
outros e trazerem juízos temporais sobre si próprios; mesmo assim eles são e
serão guardados pelo poder de Deus mediante a fé para a salvação.
CAPÍTULO XVIII
DA CERTEZA DA GRAÇA E DA SALVAÇÃO
I. – Ainda que crentes temporários, bem como outros homens não regenerados,
inutilmente se enganem com falsas esperanças e presunções carnais de estarem no
favor divino e em estado de salvação, esperança esta que perecerá, contudo os
que realmente crêem no Senhor Jesus e o amam sinceramente, envidando todo
esforço por andar em toda a boa consciência diante dele, podem nesta vida estar
plenamente assegurados de que estão no estado de graça, e podem regozijar-se na
esperança da glória de Deus, esperança essa que jamais os envergonhará.
II. – Esta certeza não é uma mera persuasão conjectural e provável, fundada
numa esperança falível, mas uma infalível segurança de fé, fundada no sangue e
na justiça de Cristo, revelada no evangelho, bem como na evidência interna
daquelas graças para as quais as promessas são feitas, no testemunho imediato
do Espírito que testifica nossa adoção, e, como fruto, deixa o nosso coração
mais humilde e santo.
III. – Esta segurança infalível não pertence tanto à essência da fé que um
crente genuíno pode esperar muito, e enfrentar muitas dificuldades antes que
participe dela; todavia, sendo capacitado pelo Espírito a conhecer as coisas
que lhe são graciosamente dadas por Deus, ele pode, sem revelação
extraordinária, pelo uso correto dos meios ordinários, tomar posse dela.
Portanto, é o dever de cada um ser diligente para confirmar sua vocação e
eleição; para que dessa forma seu coração seja dilatado em paz e alegria no
Espírito Santo, em amor e gratidão a Deus, e em vigor e deleite nos deveres da
obediência, os frutos próprios desta segurança. Isso está muito longe de
predispor os homens à negligência.
IV. – Os verdadeiros crentes podem ter, de diversas formas, a segurança de sua
salvação abalada, diminuída e interrompida; como pela negligência da
preservação dela; pela queda em algum pecado específico, o qual fere a
consciência e entristece o Espírito; por alguma tentação súbita e veemente; por
desviar Deus a luz de seu rosto, permitindo até mesmo que aqueles que o temem
andem em trevas sem nenhuma luz. Contudo jamais serão totalmente destituídos daquela
semente de Deus e da vida de fé, daquele amor a Cristo e aos irmãos, daquela
sinceridade de coração e consciência do dever, donde, pela operação do
Espírito, esta segurança, no devido tempo, seja revitalizada, e, por meio da
qual, nesse interino, eles são amparados a fim de não caírem no desespero
total.
CAPÍTULO XIX
DA LEI DE DEUS
I. – Deus deu a Adão uma lei de obediência universal escrita em seu coração,
bem como um preceito específico para que não comesse do fruto da árvore do bem
e do mal, como um pacto de obras, pelo qual Deus obrigou a ele e a toda a sua
posteridade a uma obediência pessoal, inteira, exata e perpétua; prometeu-lhe a
vida sob a condição de a cumprir, e o ameaçou com a morte se a violasse; e
dotou-o com poder e capacidade para guardá-la.
II. – Esta lei, assim escrita no coração, continuou a ser uma norma perfeita de
justiça depois da queda do homem; e foi entregue por Deus no Monte Sinai em dez
mandamentos e escrita em duas tábuas; os primeiros quatro mandamentos contêm
nosso dever para com Deus, e os outros seis, nosso dever para com o homem.
III. – Além dessa lei, comumente chamada moral, aprouve a Deus dar ao povo de
Israel leis cerimoniais, contendo diversas ordenanças típicas: em parte
referentes ao culto, prefigurando Cristo, suas graças, ações, sofrimentos e
benefícios; e em parte apresentando diversas instruções de deveres morais.
Todas essas leis cerimoniais sendo instituídas somente até o tempo da
reformação, são, por meio de Jesus o Messias verdadeiro e o único legislador, a
quem o Pai concedeu poderes para tal finalidade, ab-rogadas e removidas.
IV. – A eles Deus também deu diversas leis judiciais que expiraram juntamente
com o estado daquele povo, e que agora não obrigam a ninguém em virtude daquela
instituição, somente sua eqüidade geral possuindo um valor moral.
V. – A lei moral obriga para sempre a todos a prestar-lhe obediência, tanto as
pessoas justificadas quanto as demais, e isso não só em consideração à matéria
nela contida, mas também pelo respeito à autoridade de Deus, o Criador, que a
deu. Tampouco Cristo no evangelho de modo algum desfaz essa obrigação, antes
muito a fortalece.
VI. – Embora os verdadeiros crentes não estejam debaixo da lei como um pacto de
obras, para serem por ela justificados ou condenados, contudo ela é de grande
proveito tanto para eles quanto para os demais. Como norma de vida, ela os
informa da vontade de Deus e de seus deveres, os dirige e os obriga a andarem
convenientemente; descobre-lhes também as poluições pecaminosas de sua natureza,
de seus corações e vidas; de maneira que, examinando-se à luz dela, podem
chegar a uma convicção mais profunda do pecado, a uma mais profunda humilhação
e aversão por ele e, ao mesmo tempo, a uma visão mais clara da necessidade que
têm de Cristo e da perfeição de sua obediência. Ela é igualmente de utilidade
aos regenerados, para refrear suas depravações, pois proíbe o pecado; e suas
ameaças servem para demonstrar o que seus pecados merecem, e quais as aflições
que podem esperar nesta vida por causa deles, ainda que estejam livres da
maldição ameaçada na lei. As promessas dela, de igual modo, lhes mostram que
Deus aprova sua obediência, e quais as bênçãos que podem esperar do cumprimento
dessa obediência, ainda que essas bênçãos não lhes sejam devidas pela lei como
um pacto de obras; de modo que fazer um homem o bem, e refrear-se do mal,
porque a lei estimula isso e proíbe aquilo, não é evidência de estar ele
debaixo da lei, e não debaixo da graça.
VII. – Nem são os supracitados usos da lei contrários à graça do evangelho,
senão que suavemente se harmonizam com ela; o Espírito de Cristo subjugando e
capacitando a vontade humana a fazer livre e alegremente aquilo que a vontade
de Deus, revelada na lei, requer que se faça.
CAPÍTULO XX
DO EVANGELHO, E DA EXTENSÃO DA GRAÇA DO MESMO
I. – O pacto das obras sendo quebrado pelo pecado, e feito sem proveito para a
vida, aprouve a Deus dar aos eleitos a promessa de Cristo, a semente da mulher,
como o meio de chamá-los, e neles gerar a fé e o arrependimento: nesta promessa
se revelou a substância do evangelho, que nela se tornou eficaz para a
conversão e salvação de pecadores.
II. – Esta promessa de Cristo, e a salvação por meio dele, está revelada
somente na Palavra de Deus e por meio dela; e as obras da criação ou providência,
com a luz da natureza, não permitem que se descubra a Cristo ou a graça por
meio delas, nem mesmo de uma maneira geral ou obscura; muito menos que homens
destituídos da revelação dele pela promessa ou evangelho, consigam assim
alcançar a fé ou o arrependimento salvíficos.
III. – A revelação do evangelho a pecadores, feita em diversas épocas e em
partes diferentes, acrescida de promessas e preceitos a serem obedecidos,
quanto às nações e pessoas a quem ela é concedida, depende unicamente da
vontade soberana e do beneplácito de Deus, não sendo vinculada a nenhuma
promessa feita aos que exerçam corretamente suas habilidades naturais em
resposta à luz comum que os alcança fora desta revelação – exercício, aliás,
que ninguém jamais fez ou é capaz de fazer. Portanto, em todas as épocas, a
pregação do evangelho tem sido concedida a pessoas e nações em graus variados
quanto à extensão ou limitação da mesma, segundo o conselho da vontade de Deus.
IV. – Embora o evangelho seja o único meio externo que revele Cristo e a graça
salvífica, e como tal é mais do que suficiente; mesmo assim, para que homens
mortos em seus delitos possam nascer de novo, vivificados ou regenerados, ainda
se faz necessário uma obra eficaz, irresistível, do Espírito Santo sobre a alma
inteira. Somente esta obra produz neles uma nova vida espiritual, e sem ela
nenhum outro meio é suficiente para sua conversão a Deus.
CAPÍTULO XXI
DA LIBERDADE CRISTÃ E DA LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA
I. – A liberdade que Cristo, sob o evangelho, granjeou para os crentes,
consiste em serem eles libertos da culpa do pecado, da ira condenatória de
Deus, do rigor e da maldição da lei; e em serem eles libertos deste presente
mundo mau, da escravidão a Satanás e do domínio do pecado, da nocividade das
aflições, do medo e do aguilhão da morte, da vitória da sepultura, e da
condenação eterna; bem como em terem eles livre acesso a Deus, e em lhe
prestarem obediência, não movidos por um medo servil, mas, sim, por amor filial
e de espírito voluntário. A substância de tudo isso era comum também aos
crentes sob a lei; mas, sob o Novo Testamento, a liberdade dos cristãos é ainda
mais ampliada por serem livres do jugo da lei cerimonial, toda a administração
legal do pacto da graça à qual estava sujeita a Igreja judaica; e por terem os
cristãos mais ousadia em seu acesso ao trono da graça e em comunicações mais
plenas do Espírito livre de Deus do que ordinariamente participavam os crentes
sob a lei.
II. – Deus é o único senhor da consciência, e a deixou livre de doutrinas e
mandamentos humanos que, em qualquer respeito, são contrários à sua Palavra, ou
não contidos nela. De modo que, crer em tais doutrinas, ou obedecer a tais
mandamentos, por motivo de consciência, equivale a trair a verdadeira liberdade
de consciência; e requerer de alguém uma fé implícita, e uma obediência
absoluta e cega, equivale a destruir a liberdade de consciência, e a razão
também.
III. – Aqueles que, sob o pretexto de liberdade cristã, praticam qualquer
pecado ou toleram qualquer concupiscência, com isso tanto deturpam o propósito
principal da graça do evangelho para a própria destruição deles, como também
destroem totalmente a finalidade da liberdade cristã, qual seja que, livres das
mãos de nossos inimigos, sirvamos ao Senhor, sem medo, em santidade e justiça
perante ele, todos os dias de nossa vida.
CAPÍTULO XXII
DO CULTO RELIGIOSO E DO DIA DE REPOUSO
I. – A luz da natureza revela que existe um Deus que mantém o senhorio e
soberania sobre tudo; que é justo e bom e faz o bem a todos; e, portanto, deve
ser temido, amado, louvado, invocado, crido e servido de todo o coração, de
toda a alma e todas as forças. Mas a forma aceitável de cultuar o Deus
verdadeiro é instituída por ele mesmo e, portanto, delimitada por sua própria
vontade revelada, de modo que ele não pode ser cultuado segundo as imaginações
e invenções humanas, nem segundo as sugestões de Satanás, sob alguma
representação visível, ou por qualquer outra forma não prescrita na Sagrada
Escritura.
II. – O culto religioso deve ser oferecido a Deus o Pai, Filho e Espírito
Santo, e a ele só; não a anjos, nem a santos, nem a qualquer outra criatura; e,
desde a Queda, não pode ser oferecido sem um Mediador, nem pode ser pela
mediação de algum outro senão exclusivamente de Cristo.
III. – A oração, com ações de graças, sendo uma parte especial do culto
natural, é por Deus requerida de todos os homens; mas, para que seja aceita,
tem de ser feita em nome do Filho, com o auxílio de seu Espírito, segundo sua
vontade, com entendimento, reverência, humildade, fervor, fé, amor e
perseverança; e, se estiver com outros, que seja numa língua conhecida.
IV. – A oração deve ser feita por coisas lícitas, e em favor de todo gênero de
pessoas vivas ou que virão a viver no futuro; mas não em favor dos mortos, nem
em favor daqueles de quem soubermos que cometeram o pecado para morte.
V. – A leitura das Escrituras, a pregação e o ouvir da Palavra de Deus, o
cântico de salmos, bem como a administração do batismo e da ceia do Senhor, são
todos partes do culto religioso a Deus, e devem ser oferecidos em obediência a
Deus com entendimento, fé e temor santo. Humilhações solenes, com jejuns e
ações de graças em ocasiões especiais, devem, em seus diversos tempos e
estações, ser usadas de uma forma santa e religiosa.
VI. – Agora, sob o evangelho, nem a oração, nem qualquer outra parte do culto
religioso se restringe a um certo lugar em que se ofereça ou para o qual se
dirija, nem assim se torna mais aceitável; mas Deus deve ser adorado em todo
lugar em espírito e em verdade, tanto em família diariamente, e em secreto,
estando cada um sozinho, como também mais solenemente, em assembléias públicas,
que não devem ser descuidadas nem voluntariamente negligenciadas ou
abandonadas, quando Deus, por meio de sua Palavra ou por sua providência proporcione
ocasião.
VII. – Como faz parte da lei da natureza que, em geral uma proporção de tempo
seja separada para o culto a Deus, assim também, em sua Palavra, mediante uma
ordenança positiva, moral e perene, e que obriga a todos os homens, em todas as
épocas, Deus particularmente designou um dia em sete para um Sábado que lhe
seja santificado; o qual, desde o princípio do mundo até à ressurreição de
Cristo, foi o último dia da semana; e, desde a ressurreição de Cristo, foi
substituído pelo primeiro dia da semana, que na Escritura se chama dia do
Senhor, e deverá continuar até ao fim do mundo como o Sábado Cristão, a
observação do último dia da semana sendo agora abolida.
VIII. – Este Sábado é, pois, santificado ao Senhor quando os homens, tendo
devidamente preparado seus corações, e de antemão ordenado seus afazeres
comuns, não só observam, durante todo o dia, um santo repouso de suas próprias
obras, palavras, e pensamentos acerca de seus empreendimentos e recreações
seculares, mas também ocupam todo o seu tempo nos exercícios públicos e
particulares do culto ao Senhor, bem como nos deveres de necessidade e
misericórdia.
CAPÍTULO XXIII
DOS JURAMENTOS LEGAIS E DOS VOTOS
I. – Um juramento legal é uma parte do culto religioso, no qual a pessoa,
jurando em verdade, justiça e juízo, solenemente invoca a Deus como testemunha
do que assevera ou promete, e para julgá-la de acordo com a verdade ou a
falsidade do ela jura.
II. – O Nome de Deus é o único pelo qual se deve jurar, Nome que deve ser usado
com todo santo temor e reverência. Portanto, jurar falsa ou precipitadamente
por aquele glorioso e tremendo Nome, ou jurar por qualquer outra coisa, é
pecaminoso e abominável. Contudo, como em assuntos de gravidade e importância,
um juramento é autorizado pela Palavra de Deus, tanto sob o Novo quanto sob o
Velho Testamento, o juramento legal, sendo imposto por autoridade legal, deve
ser prestado com referência a tais assuntos.
III. – Todo aquele que fizer um juramento autorizado pela Palavra de Deus, deve
ponderar detidamente sobre a gravidade de um ato tão solene, e não deve afirmar
nada senão aquilo de que esteja plenamente persuadido ser a verdade. Nem
tampouco deve alguém obrigar-se, por juramento, a qualquer coisa senão àquilo
que é bom e justo e àquilo que ele crer ser assim, e àquilo que está resolvido
cumprir. Entretanto, é pecado recusar prestar juramento no tocante a qualquer
coisa justa e boa, sendo ela imposta por autoridade legal.
IV. – Deve fazer-se um juramento no claro e comum sentido das palavras, sem
equívoco ou reserva mental. Ele não pode obrigar a pecar, mas, uma vez
pronunciado, e com referência a qualquer coisa não pecaminosa, ele obriga ao
cumprimento, mesmo com prejuízo de quem jura; tampouco deve ser violado, ainda
que feito a hereges ou infiéis.
V. – O voto, que não deve ser feito a criatura alguma, mas só a Deus, é da
mesma natureza que o juramento promissório, e deve ser feito com o mesmo
cuidado religioso, e cumprido com a mesma fidelidade.
VI. – Os votos monásticos que os papistas fazem de celibato perpétuo, pobreza
professa e obediência regular, em vez serem graus de mais elevada perfeição,
não passam de laços supersticiosos e pecaminosos, nos quais nenhum cristão deve
enlear-se.
CAPÍTULO XXIV
DO MAGISTRADO CIVIL
I. – Deus, o supremo Senhor e Rei do mundo inteiro, para sua própria glória e
para o bem público, ordenou os magistrados civis para serem sujeitos a ele e
com autoridade sobre o povo. E para esse fim, os armou com o poder da espada,
para a defesa e encorajamento daqueles que fazem o bem e para o castigo dos
malfeitores.
II. – Aos cristãos é lícito aceitar e exercer o ofício de magistrado, quando
para ele são chamados; na administração do mesmo, como devem eles especialmente
manter a justiça e a paz, segundo as leis sadias de cada comunidade, assim,
agora sob o Novo Testamento e para esse fim, podem fazer guerra, havendo
ocasião justa e necessária.
III. – Embora deva o magistrado encorajar, promover e proteger aqueles que
professam o evangelho, bem como a própria profissão do mesmo, e administrar e
ordenar entidades civis conforme a subserviência devida aos interesses de
Cristo neste mundo, e, para tal, cuidar para que homens de mentes e condutas
corruptas não publiquem nem divulguem de maneira licenciosa blasfêmia e erros,
que, por natureza, subvertem a fé e destroem inevitavelmente as almas daqueles
que os recebem; contudo, naquelas diferenças acerca das doutrinas do evangelho,
ou acerca de maneiras de cultuar a Deus, conforme pode ocorrer a homens que
exerçam uma boa consciência, manifestando a mesma em sua conduta, e retendo o
fundamento sem perturbar outros em seus costumes diferentes ou culto diferente,
não há, sob o evangelho, nenhuma autorização que permita que o magistrado os
prive de sua liberdade.
IV. – É dever do povo orar pelos magistrados, honrar suas pessoas, pagar-lhes
tributo e outros compromissos, obedecer aos seus preceitos legais e viver
sujeito à sua autoridade, por motivo de consciência. Infidelidade ou diferença
em questão de religião não invalidam a justa e legal autoridade do magistrado,
nem isentam o povo desta obediência a ele, da qual não estão excluídos os
eclesiásticos; muito menos tem o papa qualquer poder ou jurisdição sobre eles
em seus domínios, ou sobre qualquer um de seu povo; e menos ainda tem o poder
de privá-los de seus domínios ou vidas, por julgá-los hereges ou sob qualquer
outro pretexto.
CAPÍTULO XXV
DO MATRIMÔNIO
I. – O casamento deve ser entre um homem e uma mulher; tampouco é lícito ao
homem ter mais de uma esposa, ou à mulher ter mais de um esposo, ao mesmo
tempo.
II. – O matrimônio foi ordenado para o auxílio mútuo entre esposo e esposa;
para a propagação da raça humana por uma sucessão legítima, e da Igreja por uma
semente santa; e para prevenção contra a impureza.
III. – A toda sorte de pessoas que são capazes de dar seu consentimento
ajuizado é lícito casar; no entanto é dever dos cristãos casar no Senhor.
Portanto, os que professam a genuína religião reformada não devem casar-se com
infiéis, papistas, ou outros idólatras; nem devem os piedosos prender-se a um
jugo desigual, casando-se com os que são ímpios em sua vida, ou que mantêm
heresias perniciosas.
IV. – O matrimônio não deve efetuar-se entre pessoas de graus de
consangüinidade ou parentesco proibidos na Palavra, nem podem tais casamentos
incestuosos jamais tornar-se lícitos por alguma lei humana ou consentimento das
partes, de modo que tais pessoas vivam juntas como esposo e esposa.
CAPÍTULO XXVI
DA IGREJA
I. – A igreja católica ou universal, a qual é invisível, consiste de todo o
número dos eleitos que têm sido, são ou serão reunidos num só corpo, sob Cristo
sua Cabeça; ela é a Esposa, o Corpo, a plenitude daquele que a tudo enche em
todas as coisas.
II. – O corpo inteiro daqueles que, espalhados por todo o mundo, professam a fé
do evangelho e obediência a Deus através de Cristo de acordo com o mesmo, e que
não renegam essa sua profissão por erros fundamentais ou por conduta impura, é
a igreja visível, católica de Cristo, e pode ser assim chamado, se bem que como
tal não lhe é confiada a administração de ordenanças, nem tem ela oficiais que
governem ou dirijam o corpo inteiro.
III. – As igrejas mais puras debaixo do céu estão sujeitas a mistura e a erro;
e algumas se têm degenerado tanto que deixam de ser igrejas de Cristo,
tornando-se sinagogas de Satanás. Não obstante, Cristo sempre teve, e sempre
terá um reino visível neste mundo, até seu fim, daqueles que nele crêem, e
professam seu nome.
IV. – Não há outra Cabeça da Igreja senão o Senhor Jesus Cristo; nem pode o
Papa de Roma, em qualquer sentido, ser a cabeça dela, senão que ele é aquele
Anticristo, aquele homem do pecado e filho da perdição que se exalta na Igreja
contra Cristo e contra tudo que se chama Deus, e a quem o Senhor aniquilará
pelo esplendor de sua vinda.
V. – Como o Senhor, no seu cuidadoso amor para com sua Igreja, tem exercido o
mesmo, pela sua providência infinita e sábia, com grande variedade ao longo dos
tempos, para o bem dos que o amam e para sua própria glória; assim, de acordo
com a sua promessa, esperamos que nos dias finais, quando o Anticristo for
aniquilado, os judeus forem chamados, e os adversários do reino do seu Filho
amado derrotados, as igrejas de Cristo sendo aumentadas e edificadas por uma
livre e abundante outorga de luz e graça, hão de gozar neste mundo uma condição
mais tranqüila, pacífica e gloriosa do que jamais tiverem experimentado.
CAPÍTULO XXVII
DA COMUNHÃO DOS SANTOS
I. – Todos os santos que, por seu Espírito e pela fé, se acham unidos a Cristo,
sua Cabeça, têm comunhão em suas graças, sofrimentos, morte, ressurreição e
glória, embora não sejam por isso feitos uma só pessoa com ele. E, estando
unidos uns aos outros em amor, desfrutam de comunhão nos mesmos dons e graças
uns dos outros, e estão obrigados ao cumprimento de tais deveres, pública e
particularmente, que contribuam ao seu proveito mútuo, tanto do homem interior
quanto do exterior.
II. – Todos os santos são obrigados a manterem uma santa sociedade e comunhão
no culto divino e na realização de outros serviços espirituais para sua
edificação mútua; bem como a assistirem uns aos outros com coisas materiais, de
acordo com suas várias habilidades e necessidades. Esta comunhão, embora se
deva exercer mormente dentro dos relacionamentos nos quais os santos se
encontram, sejam nas famílias ou nas igrejas, também, segundo a oportunidade
que Deus oferecer, deve estender-se a todos aqueles que, em todo lugar, invocam
o nome do Senhor Jesus.
CAPÍTULO XXVIII
DOS SACRAMENTOS
I. – Os sacramentos são santos sinais e selos do pacto da graça, imediatamente
instituídos por Cristo para representá-lo e a seus benefícios, e para confirmar
nosso interesse nele, e solenemente comprometer-nos no serviço de Deus em
Cristo, de acordo com a sua Palavra.
II. – Há em cada sacramento uma relação espiritual, ou união sacramental, entre
o sinal e a coisa significada; daí o fato de que os nomes e efeitos de um são
atribuídos ao outro.
III. – A graça que é representada nos sacramentos, ou por eles, corretamente
usados, não é conferida por qualquer poder neles existente; nem a eficácia de
um sacramento depende da piedade ou da intenção daquele que o administra, mas
sim da operação do Espírito Santo, e da palavra da instituição, a qual contém,
juntamente com o preceito que autoriza o uso dele, uma promessa de benefícios
aos que dignamente o recebem.
IV. – Só há dois sacramentos ordenados por Cristo, nosso Senhor, no evangelho,
quais sejam: o Batismo e a Ceia do Senhor; nenhum dos quais pode ser
administrado senão por um ministro da Palavra, legitimamente chamado.
V. – Os sacramentos do Velho Testamento, quanto às coisas espirituais por eles
significadas e representadas, eram, em substância, os mesmos que os do Novo
Testamento.
CAPÍTULO XXIX
DO BATISMO
I. – O Batismo é um sacramento do Novo Testamento, ordenado por Jesus Cristo,
para servir ao batizando de sinal e selo do pacto da graça, de seu enxerto em
Cristo, de sua regeneração, da remissão de pecados, e de sua total entrega a
Deus através de Jesus Cristo, para andar em novidade de vida. Esta ordenança,
segundo a determinação do próprio Cristo, há de continuar em sua Igreja até ao
final do mundo.
II. – O elemento exterior, usado neste sacramento, é água, com a qual a pessoa
é batizada no nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo, por um ministro do
evangelho, legitimamente chamado.
III. – Não é necessário imergir o batizando na água; o batismo é corretamente
administrado derramando ou aspergindo água sobre o batizando.
IV. – Não só aqueles que realmente professam fé em Cristo e obediência a ele,
mas também as crianças, filhos de um ou de ambos os pais crentes, devem ser
batizados, e somente estes.
V. – Posto que seja um grande pecado menosprezar ou negligenciar esta
ordenança, contudo a graça e a salvação não se acham tão inseparavelmente
anexadas a ela que sem ela ninguém possa ser regenerado ou salvo, ou que todos
os que são batizados sejam indubitavelmente regenerados.
VI. – A eficácia do batismo não se atém ao momento em que ele é administrado;
não obstante, mediante o correto uso desta ordenança, a graça prometida não só
é oferecida, mas realmente representada e conferida pelo Espírito Santo àqueles
(sejam adultos ou crianças) a quem ela pertence, segundo o conselho da própria
vontade de Deus, em seu tempo determinado.
VII. – O Batismo deve ser administrado só uma vez a uma mesma pessoa.
CAPÍTULO XXX
DA CEIA DO SENHOR
I. – Na noite em que foi traído, nosso Senhor instituiu o sacramento de seu
corpo e sangue, chamado a Ceia do Senhor, para ser observado em suas igrejas
até ao final do mundo, para a perpétua memória e exibição do sácrifício de si
mesmo em sua morte, para o selar aos verdadeiros crentes de todos os benefícios
provenientes desse sacrifício, para sua nutrição espiritual e crescimento em
Cristo, para maior comprometimento com todas as obrigações que lhe devem, bem
como para ser um vínculo e penhor de sua comunhão com ele e uns com os outros.
II. – Neste sacramento, Cristo não é oferecido a seu Pai, nem de modo algum se
faz sacrifício real para remissão de pecados dos vivos ou dos mortos; mas
apenas um memorial daquela única oferenda que ele fez de si mesmo na cruz uma
vez por todas, e uma oblação espiritual de todo louvor possível a Deus pelo
mesmo; de modo que o sacrifício papal da missa (como chamam) não passa de algo
muitíssimo abominável e injurioso ao único sacrifício de Cristo, o qual é a
única propiciação por todos os pecados dos eleitos.
III. – O Senhor Jesus, nesta ordenança, mandou que seus ministros orassem e
abençoassem os elementos, pão e vinho, assim separando-os do uso comum para um
uso santo; e que tomassem e partissem o pão, tomassem o cálice, e (participando
também eles mesmos) dessem ambos os elementos aos comungantes; mas a ninguém
que não esteja presente na congregação.
IV. – As missas particulares, ou a recepção deste sacramento sozinho pelo
sacerdote ou por qualquer outra pessoa, bem como a recusa do cálice ao povo, a
adoração dos elementos, a elevação deles ou carregá-los em procissão para serem
adorados, e a conservação deles para algum pretenso fim religioso, são
contrários à natureza deste sacramento e à instituição de Cristo.
V. – Os elementos exteriores deste sacramento, devidamente separados para os
usos ordenados por Cristo, têm tal relação com o Cristo crucificado que,
verdadeiramente, contudo só num sentido sacramental, são às vezes chamados pelo
nome das coisas que representam, a saber, o corpo e o sangue de Cristo; se bem
que, em substância e natureza, ainda permanecem sendo real e somente pão e
vinho, como eram antes.
VI. – A doutrina que defende uma transformação da substância do pão e do vinho
na substância do corpo e do sangue de Cristo (comumente chamada
Transubstanciação), por meio da consagração por um sacerdote, ou por algum
outro meio, é repugnante não somente à Escritura, mas até mesmo ao senso comum
e à razão; destrói a natureza do sacramento, e tem sido a causa de infindáveis
superstições, e de idolatrias até grosseiras.
VII. – Os que comungam com dignidade, participando externamente dos elementos
visíveis deste sacramento, também então internamente pela fé, realmente e de
fato, se bem que não carnal e fisicamente, mas espiritualmente, recebem e se
alimentam do Cristo crucificado e de todos os benefícios de sua morte; então o
corpo e o sangue de Cristo não estão, corporal ou carnalmente, nos elementos,
pão ou vinho, nem com eles, nem sob eles, mas presentes nessa ordenança
espiritualmente à fé dos crentes de modo tão real como os próprios elementos
estão presentes aos seus sentidos.
VIII. – Todas as pessoas ignorantes e ímpias, como são incapazes de desfrutar
de comunhão com o Senhor, são também indignas de sua mesa, e não podem, sem
grave pecado contra Cristo, participar desses santos mistérios nem a eles ser
admitidas, enquanto permanecerem nesse estado; outrossim, quem receber
indignamente torna-se réu do corpo e do sangue do Senhor, comendo e bebendo
para sua própria condenação.
CAPÍTULO XXXII
DO ESTADO DOS HOMENS DEPOIS DA MORTE E DA RESSURREIÇÃO DOS MORTOS
I. – Os corpos dos homens, após a morte, voltam ao pó e experimentam corrupção;
suas almas, porém (que nem morrem nem dormem), possuindo existência imortal,
imediatamente voltam para Deus que as deu. As almas dos justos, sendo então
aperfeiçoadas em santidade, são recebidas no mais alto céu, onde contemplam a
face de Deus em luz e glória, aguardando a plena redenção de seus corpos; e as
almas dos réprobos são lançadas no inferno, onde permanecem em tormento e
completa escuridão, reservadas para o juízo do grande dia. Além desses dois
lugares para as almas separadas de seus corpos, a Escritura desconhece qualquer
outro.
II. – No último dia, os que se encontrarem ainda vivos não morrerão, mas serão
transformados; e todos os mortos ressuscitarão com seus mesmos corpos, e não
outros, ainda que com propriedades diferentes, os quais se unirão novamente às
suas almas, para sempre.
III. – Os corpos dos injustos, pelo poder de Cristo, ressuscitarão para
desonra; os corpos dos justos, pelo seu Espírito, ressuscitarão para honra e
para serem feitos semelhantes ao próprio corpo glorioso de Cristo.
CAPÍTULO XXXIII
DO JUÍZO FINAL
I. – Deus determinou um dia em que, com justiça, julgará o mundo por meio de
Jesus Cristo, a quem foram dados pelo Pai todo poder e todo juízo. Naquele dia,
não só os anjos apóstatas serão julgados, mas também todas as pessoas que
tiverem vivido na terra comparecerão ante o tribunal de Cristo, a fim de
prestarem conta de seus pensamentos, palavras e feitos, e receberem o galardão
de acordo com o que tiverem feito no corpo, seja o bem, seja o mal.
II. – O fim que Deus tem em vista, determinando esse dia, é a manifestação da glória
de sua mercê na salvação eterna dos eleitos, e sua justiça na condenação dos
réprobos, que são perversos e desobedientes. Pois então os justos entrarão na
vida eterna, e receberão aquela plenitude de alegria e glória, com galardão
eterno, na presença do Senhor; mas os perversos, que não conhecem a Deus e não
obedecem ao evangelho de Jesus Cristo, serão lançados nos tormentos eternos e
serão punidos com eterna destruição, banidos da face do Senhor e da glória de
seu poder.
III. – Assim como Cristo, para refrear todos os homens do pecado e para maior
consolação dos santos em sua adversidade, quer que vivamos plenamente
persuadidos de que haverá um juízo, também quer que esse dia seja desconhecido
dos homens, para que lancem fora toda segurança carnal e sejam sempre
vigilantes, porquanto não sabem a que hora virá o Senhor, e estejam
continuamente preparados a dizer: Vem, Senhor Jesus, vem depressa! Amém.
A Instituição das Igrejas e a Ordem Designada nelas por Jesus Cristo
1 - Pelo decreto do
Pai, todo o poder para o chamado, instituição, ordem ou governo da Igreja está
investido, de maneira suprema e soberana, no Senhor Jesus Cristo, como seu Rei
e Cabeça.
Na execução desse poder assim confiado a ele, o Senhor Jesus chama do mundo
para a comunhão com ele aqueles que lhe são dados pelo seu Pai, a fim de que
andem diante dele em todos os caminhos da obediência que ele lhes prescreve em
sua Palavra.
2 - Àqueles que são assim chamados (através do ministério da Palavra pelo seu
Espírito) ele ordena que andem juntos em sociedades ou igrejas particulares,
para sua edificação mútua e o exercício daquela adoração pública, que ele
requer deles neste mundo.
3 - A cada uma dessas igrejas assim reunidas, de acordo com sua vontade
declarada em sua Palavra, ele deu todo aquele poder e autoridade, que de
qualquer maneira são necessários para que ponham em prática aquela ordem no
culto e na disciplina, que ele instituiu para que a observassem, com
mandamentos e regras para o devido e reto exercício e execução daquele poder.
4 - Essas igrejas particulares, assim designadas pela autoridade de Cristo, e
ornadas de poder por parte dele para os fins antes expressos, são, cada qual no
que concerne a esses fins, a sede do poder que ele se compraz em comunicar a
seus santos ou súditos neste mundo, de modo que elas como tais o recebem
imediatamente dele.
5 - Além destas igrejas particulares, não há nenhuma igreja instituída por
Cristo mais extensa ou católica, ornada de poder para a administração das
ordenanças dele ou a execução de qualquer autoridade em seu nome.
6 - Uma igreja particular, reunida e formada de acordo com a vontade de Cristo,
consiste de oficiais e membros, tendo o Senhor Cristo dado a esses chamados
(unidos segundo a sua designação na ordem eclesiástica) a liberdade e o poder
para escolherem pessoas capacitadas pelo Espírito Santo para este fim, para
estarem sobre eles e ministrar-lhes no Senhor.
7 - Os membros dessas igrejas são santos pelo chamado, visivelmente
manifestando e evidenciando (na sua profissão e pelo seu modo de andar) sua
obediência a esse chamado de Cristo; os quais, sendo ainda conhecidos uns aos
outros por sua confissão da fé neles operada pelo poder de Deus, declarada por
eles mesmos ou de outra forma manifesta, de bom grado consentem em andar juntos
de acordo com o desígnio de Cristo, se entregando a si mesmos ao Senhor e uns
aos outros pela vontade de Deus, numa submissão professa às ordenanças do
evangelho.
8 - Os oficiais designados por Cristo para serem escolhidos e separados pela
igreja, assim chamada e congregada para a administração peculiar das ordenanças
e para a execução do poder e do dever que ele lhes confia ou para o que ele os
chama, são os pastores, os mestres, os presbíteros e os diáconos, ofícios estes
que continuarão até o fim do mundo.
9 - As igrejas assim reunidas e congregadas para a adoração de Deus são, desta
forma, visíveis e públicas, e suas assembléias (em qualquer lugar onde estejam,
de acordo com a liberdade e oportunidade que tenham) são, portanto, assembléias
de caráter eclesiástico, ou públicas.
10 - O modo estabelecido por Cristo para o chamamento de qualquer pessoa,
capacitada e dotada pelo Espírito Santo, para o ofício de pastor, mestre ou
presbítero em uma igreja é este: seja ele escolhido para o cargo pelo sufrágio
da mesma igreja e solenemente separado mediante jejum e oração, com a imposição
das mãos do presbiterato daquela igreja, se já existe um instituído nela. 11 -
Quanto ao diácono, seja ele escolhido pelo mesmo sufrágio e separado mediante
oração e a mesma imposição das mãos.
12 - A essência deste chamamento de um pastor, mestre ou presbítero para o
ofício consiste na escolha da igreja juntamente com sua aceitação dela, e a
separação por meio de jejum e oração. E os que são assim escolhidos, embora não
separados pela imposição das mãos, estão corretamente constituídos ministros de
Jesus Cristo, em cujo nome e autoridade eles exercem o ministério a eles assim
confiado. O chamamento de diáconos consiste em semelhante escolha e aceitação
com separação mediante oração.
13 - Embora os pastores e mestres das igrejas estejam incumbidos de instarem na
pregação da Palavra, pelo seu ofício, todavia, o trabalho de pregar a Palavra
não está peculiarmente restrito a eles, de modo que também outros, dotados e
capacitados pelo Espírito Santo para tal, e aprovados (sendo chamados para tal
mediante meios e modos legais na providência de Deus) poderão pública,
ordinária e constantemente fazê-lo, de tal maneira que se entregam totalmente a
este trabalho.
14 - No entanto, os que estão ocupados com o trabalho da pregação pública e por
isso desfrutam da manutenção pública, não são por isso obrigados a administrar
os selos [sacramentos – nota do tradutor] a ninguém exceto àqueles com os quais
(sendo santos pelo chamado e congregados de acordo com a ordem do evangelho)
eles têm relacionamento como pastores e mestres. Contudo, eles não devem
negligenciar outros que vivem dentro de seus limites paroquiais, mas, além de
suas constantes pregações públicas a estes, devem eles inquirir quanto ao
benefício recebido por meio da Palavra, instruindo-os nela e instando com eles
(sejam jovens ou velhos) sobre as grandes doutrinas do evangelho, até pessoal e
particularmente, na medida que dispõem de força e tempo.
15 - A mera ordenação, sem a eleição ou prévio consentimento da igreja, por
aqueles que foram anteriormente ordenados pela virtude daquele poder que eles
receberam por sua ordenação, não constitui nenhuma pessoa em oficial da igreja
nem lhe comunica poder de oficialato.
16 - Uma igreja munida de oficiais (de acordo com a vontade de Cristo) tem
pleno poder para administrar todas as ordenanças dele; e onde houver falta de
um ou mais oficiais, aquele oficial, ou aqueles que estão na igreja, podem
administrar todas as ordenanças próprias de seu dever e ofícios particulares;
mas onde não houver oficiais mestres, ninguém pode administrar os selos, nem
pode a igreja autorizar alguém a fazê-lo.
17 - Na condução administrativa da igreja, nenhuma pessoa deve ser adicionada à
igreja, senão pelo consentimento da própria igreja, para que assim o amor (sem
dissimulação) seja preservado entre todos os seus membros.
18 - Considerando que o Senhor Jesus Cristo designou e instituiu como meio de
edificação que aqueles que não andam de acordo com as regras e leis designadas
por ele (no que diz respeito à fé e à vida, de forma que a igreja se sente
justamente ofendida por isto) sejam censurados no seu nome e autoridade, cada
igreja tem o poder em si mesma para exercer e executar todas as censuras
designadas por ele conforme o modo e a ordem prescritos no evangelho.
19 - As censuras assim designadas por Cristo são: admoestação e excomunhão. E
considerando que algumas ofensas são ou podem ser conhecidas somente por
alguns, é ordenado por Cristo que aqueles a quem elas são conhecidas,
primeiramente, admoestem o ofensor em particular: em ofensas públicas se alguém
pecar, que seja admoestado perante todos. Ou, em caso de não se corrigir
mediante admoestação privada, a ofensa sendo então relatada à igreja, se o
ofensor não manifestar seu arrependimento, que seja devidamente admoestado em
nome de Cristo por toda a igreja, pelo ministério dos presbíteros da igreja; e
se esta censura não prevalecer para o seu arrependimento, então ele deve ser
expulso pela excomunhão com o consentimento da igreja.
20 - Como todos os crentes são obrigados a unirem-se em igrejas particulares
quando e onde eles tiverem oportunidade para assim fazerem, assim também
somente devem ser admitidos aos privilégios das igrejas aqueles que se submetem
ao senhorio de Cristo nas censuras para o governo delas.
21 - Sendo este o modo prescrito por Cristo em caso de ofensa, nenhum membro
por causa de quaisquer ofensas que tenha sofrido, tendo executado a obrigação
requerida dele nesta matéria, deverá perturbar de qualquer maneira a ordem da
igreja, ou se ausentar das assembléias públicas ou da administração de
quaisquer ordenanças sob esse pretexto, mas deve esperar por Cristo no
procedimento posterior da igreja.
22 - O poder das censuras sendo fixado por Cristo em uma igreja particular,
deve ser exercido somente em referência aos membros de cada igreja
respectivamente, como tais. E não há nenhum poder dado por ele a quaisquer
sínodos ou assembléias eclesiásticas para excomungar, ou por seus éditos
públicos ameaçar de excomunhão ou de outra censura eclesiástica contra igrejas,
magistrados ou seu povo sob qualquer pretexto, nenhum homem estando sujeito
àquela censura, senão por seu malfeito pessoal, como membro de uma igreja
particular.
23 - Embora a igreja seja uma sociedade de homens, reunindo-se para a
celebração das ordenanças conforme a designação de Cristo, mesmo assim, nem
toda sociedade que se reúne para tal finalidade ou propósito, por ser composta
de habitantes de um determinado distrito civil, é, por isso, constituída numa
igreja, visto que possa faltar entre eles, aquilo que é essencial para este
fim. E, portanto, um crente que reside com outros em um tal distrito pode
juntar-se com qualquer igreja para sua edificação.
24 - Para evitar diferenças que de outra forma possam surgir, para haver maior
solenidade na celebração das ordenanças de Cristo, e para abrir caminho para um
aproveitamento mais amplo dos dons e graças do Espírito Santo, os santos que
vivem na mesma cidade ou município, ou numa distância uns dos outros que lhes
possibilite se reunirem convenientemente para o culto divino, devem,
preferencialmente, se reunir em uma só igreja para o seu fortalecimento e
edificação mútuos, ao invés de fundarem muitas sociedades distintas.
25 - Como todas as igrejas e todos os seus membros são obrigados a orarem
continuamente pelo bem ou prosperidade de todas as igrejas de Cristo em todos
os lugares, e em todas as oportunidades promover esse bem (cada qual dentro dos
limites de sua situação e vocação, no exercício de seus dons e graças); assim,
as próprias igrejas (uma vez plantadas pela providência de Deus, e na medida em
que tenham oportunidade e ocasião para isto) devem manter comunhão entre si
mesmas para sua paz, aumento do amor e mútua edificação.
26 - Em casos de dificuldades ou divergências, seja em ponto de doutrina ou de
administrações, que envolvem ou as igrejas em geral, ou uma igreja particular
em sua paz, união e edificação, ou qualquer membro ou membros de qualquer
igreja feridos em ou por qualquer procedimento de censuras, não de acordo com a
verdade e a ordem: está de acordo com a mente de Cristo que muitas igrejas que
mantêm comunhão entre si, se reúnam por seus mensageiros em sínodo ou concílio,
a fim de considerarem e darem seu conselho a respeito da questão divergente, o
que deve ser relatado a todas as igrejas envolvidas. Contudo, a tais sínodos
assim reunidos não lhes é confiado nenhum poder eclesiástico, propriamente
dito, nem qualquer jurisdição sobre as próprias igrejas, para exercer quaisquer
censuras, sejam sobre igrejas ou pessoas, ou para impor suas determinações
sobre as igrejas ou seus oficiais.
27 - Além desses sínodos ou concílios ocasionais, não foram instituídos por
Cristo quaisquer sínodos fixos numa determinada combinação de igrejas, ou de
seus oficiais, em assembléias menores ou maiores; nem tampouco há sínodos
designados por Cristo em subordinação uns a outros.
28 - As pessoas que estão unidas como membros de uma igreja não devem de
maneira leviana ou sem justa causa se retirar da comunhão da igreja da qual são
membros. Todavia, no caso de alguém não poder continuar numa determinada igreja
sem ser tido como pecador, seja pela ausência da administração de qualquer
ordenança instituída por Cristo, seja por ser privado dos privilégios que lhe
são devidos, seja por ser compelido à prática de qualquer coisa não autorizada
pela Palavra, seja em caso de perseguição, ou devido à conveniência de
residência; ele após consulta com a igreja, ou com o oficial ou oficiais dela,
pode se retirar pacificamente da comunhão da igreja, com a qual tem andado,
para unir-se com alguma outra igreja, onde possa desfrutar as ordenanças na
pureza das mesmas, para sua edificação e consolação.
29 - Aquelas igrejas reformadas, compostas de pessoas sãs na fé e de uma conduta
que adorne o evangelho, não devem recusar a comunhão umas às outras, contanto
que sejam coerentes com seus respectivos princípios, mesmo que não andem em
todas as coisas de acordo com as mesmas regras de ordem eclesiástica.
30 - Igrejas reunidas e andando de acordo com a vontade de Cristo, julgando que
outras igrejas (apesar de menos puras) são verdadeiras igrejas, podem receber
em comunhão ocasional quaisquer membros daquelas igrejas que são testificados
com credibilidade como sendo piedosos, e vivendo sem ofensa.
TRADUTORES:
Pr Diego dy Carlos Araújo Alves (IEC Boa Viagem, CE)
Pr Glenn Thomas Every-Clayton (IEC Pernambucana, Recife, PE)
Dra Joyce E. Winifred Every-Clayton (IEC Pernambucana, Recife, PE).
OBSERVAÇÃO: As Igrejas Congregacionais Brasileiras não batizam crianças
conforme preconizado pela Declaração de Savoy, Capítulo XXIX, item IV. Elas
entendem que o batismo segue a confissão de fé em Cristo, o que uma criança
recém-nascida não pode fazer.